quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Das coisas positivas.

Lá na casa de saúde onde estou a estagiar, faz-se algo todos os dias de manhã a que chamamos "Reunião de Bons Dias". É algo em que os utentes vão à frente, um por um, dizer o seu nome, idade, número do quarto e cama (de modo a trabalharem a memória) e dizerem um aspecto positivo e negativo do dia anterior. 
Já assisti várias vezes a esta reunião, tinha ido à frente apresentar-me mas nada de mais. Hoje, o enfermeiro decidiu pôr-me a mim e à minha colega a dizer um aspecto positivo do dia anterior. Nada de difícil, certo?
Pois, até que nem era caso estivéssemos à frente de gente que, tal como nós, pode ver a família depois de um dia cansativo de trabalho/aulas. Alguém que tem um trabalho estável, que goste do que faz e esteja grato por isso. Alguém que tenha filhos de quem se sentem orgulhosos e vice-versa.. mas não.
Estamos à frente de pessoas que, muito provavelmente, têm problemas familiares. Famílias instáveis, confusões, falta de confiança e tudo o que o internamento numa casa de saúde trouxe foi com que as famílias se afastassem mais deles. Triste mas verdade.
Vê-se muitos utentes referirem como aspecto negativo não terem visitas. Uns, porque não deu naquele dia e, felizmente, vêm noutro. Outros porque, como eles mesmos o dizem "não querem saber deles".
Agora, sabendo que muitas daquelas pessoas que estão à vossa frente sentem-se descontentes com a sua vida e com o rumo que está a levar, que sentem-se sem força ou capacidade para recuperar e dar a volta por cima, que o sentimento que prevalece é a tristeza, digam-me.. como é que vão dizer um aspecto positivo do vosso dia sem sentir um ligeiro peso na consciência?

Eu, com voz trémula e muito inquieta, comecei por dizer que com eles aprendi a dar valor às pequenas coisas,  as quais muitas vezes tomamos como garantidas: uma delas a família incluindo nesta o meu namorado, como não poderia deixar de ser. E que por isso, comecei a dar ainda mais valor à presença destas pessoas na minha vida. Porque se calhar, muitas vezes, passamos mais tempo fechados no quarto à frente do computador do que com os nossos pais (especialmente em adolescentes) e não percebemos o que estamos a perder. Depois, acontecendo algo que nos priva da sua presença, sentimos a falta e lamentamos por não poder tê-los mais perto.
Disse-lhes então, que o aspecto positivo do meu dia anterior foi chegar a casa e desfrutar da companhia das pessoas que mais gosto: pais, irmão e namorado. Disse-o pensando na tristeza que os senhores que ali estavam poderiam estar a sentir por não poderem fazer o mesmo nesta altura. Mas pensando também na esperança que podia crescer, fazendo-os pensar: "Eu quero isto de volta, vou empenhar-me no tratamento".

Doenças Mentais é do mais complicado que há e se já achamos que a família é um dos pilares mais importantes da nossa vida, nestas situações é ainda mais.
Fui também a uma reunião mensal para pessoas que a determinada altura eram dependentes do álcool e agora não o são e também pessoas que ainda se encontravam em tratamento. Foram dar o testemunho e conselho a quem ainda estava em tratamento e o que salientavam sempre, mas sempre, era a família. Recordo-me de uma senhora que actualmente encontra-se em tratamento e o que disse foi: 

"2011 para mim foi um ano horrível. Por causa do álcool perdi muita coisa. Primeiro, divorciei-me (e aqui começa já a chorar). Depois, perdi a casa e os dois carros que tinha. (silêncio) Sobrou-me o mais importante: o amor das minhas duas filhas que nunca me abandonaram nesta altura."

E depois deste sincero testemunho, acho que já disse tudo o que podia dizer sobre isto...

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